Guia Alimentar para a População Brasileira: qual é a importância em defender este documento?
Recentemente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o MAPA, enviou ao Ministério da Saúde uma nota técnica solicitando a revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira. Mas por que é um problema a revisão de um documento lançado em 2014?
Para iniciar esse diálogo, precisamos antes entender o que é o guia alimentar. É um documento que indica diretrizes para escolhas alimentares saudáveis sem conflito de interesses e baseadas em evidências científicas. A edição atual também representou uma quebra de paradigmas sobre a forma de encarar nossa alimentação e uma negação de sua medicalização. Além disso, destaca o rompimento com a comida lixo e commodities da agropecuária brasileira.
O guia vai muito além do alimento. Pensa também no ato de comer e na cadeia de produção da nossa comida. Essa ideia, de ir além da visão do prato, perturbou muita gente. Nutricionistas que entendiam pouco ou nada sobre políticas e diretrizes nacionais de alimentação e que acreditavam que comida de verdade vem embalada e rotulada. Engenheiros de Alimentos que tiveram que rever a forma como pensam a profissão. Afinal, não adianta produzir qualquer comida a qualquer custo. A indústria dos alimentos que foi exposta em sua política de ganho inescrupulosos, cobrando inclusive a sua saúde, bem como sua excessiva produção de lixo e degradação do meio ambiente.
Da mesma forma, o novo guia incomodou o grande e poderoso agronegócio brasileiro, que queima nossos biomas e devasta nossa fauna para produção de gado e soja, independentemente de qualquer responsabilidade ambiental ou mesmo comprometimento com as próximas gerações. O modelo atual de produção ignora totalmente que as mudanças climáticas, provocadas pelos desmatamento e manejo insustentável, vai nos impedir de produzir alimentos para todos muito em breve.
Tudo isso sem contar que o guia sutilmente instrui a população de que a cadeia produtiva baseada em veneno e antibióticos também deve ser evitada a mesa. Essas reflexões enfureceram muita gente. Falar a verdade sobre sua Alimentação, e sobre sua saúde, mexe no bolso de poderosos, intimamente ligados a política brasileira, essa mesma que vem assistindo esse tipo de absurdo e, silenciosamente, “deixando a boiada passar”.

Professora Doutora Camila Mazzeti – Professora adjunta da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Alimentos e Nutrição (FACFAN), no curso de Nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Doutora em Nutrição e Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), com ênfase em análise do estado nutricional de populações. Coordenadora de Nutrição do curso da UFMS. Coordenadora Geral da Rede de Enfrentamento e Controle da Obesidade em Mato Grosso do Sul (REDE ECO-AB). Presidente do Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA) Mato Grosso do Sul e do Conselheira Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSAN) de Campo Grande. Membro da Associação Sul-mato-grossense de Nutrição (ASMAN). Membro da Aliança pela Alimentação Saudável, núcleo Mato Grosso do Sul.
O atual ataque é mais um jogo de marketing de fake news, através de uma nota técnica ignorante, parcamente justificada e apoiada em pseudociência. Isso tudo, apoiado pelos robôs da internet e pela feia mania de se acreditar em tudo enviado via Whatsapp, tem feito com que várias coisas boas, conquistadas na luta popular e por profissionais sérios, caia por terra.
O Guia precisa ser defendido porque ele defende a sua saúde e seu direito a uma alimentação digna. Ele defende o seu direito de escolher conscientemente, sua maior vantagem. Escancara uma rede de mentiras e de engodos que a indústria e profissionais desatualizados usavam para te deixar mais confuso.
Há muito tempo, o Guia vem sofrendo ataques. Mas ele nunca foi tão consistente. Ele é mundialmente elogiado, temos diversas diversas, robustas e respeitadas revisões e metanálises que se apoiaram na classificação NOVA e confirmaram o elo entre o extenso processamento de alimentos com doenças crônicas e mortalidade. E, a cada dia, temos mais publicações. Enquanto o lado de lá, tem achismos e desinformação para promover desmontes.
Esse documento nunca foi tão importante e tão atual quanto é agora. Com o Brasil de volta ao Mapa da Fome, com o empobrecimento da população, com o dólar altíssimo, com os nossos estoques públicos de alimentos zerados e com nossos biomas morrendo e sendo queimados vivos em prol do agronegócio.
O colapso nunca esteve tão próximo. E eu nunca senti tanto medo da nossa população voltar a sofrer com desnutrição e fome. O Brasil, nosso país tão querido, só perde com a revisão de um guia tão consistente. Mas essa é a opinião de uma mera doutora em Nutrição e Saúde Pública. Afinal, quem pode contestar o senhor presidente da República, quando o mesmo afirma que não existe mais fome no Brasil? Então, pra que um guia, se todos tem dinheiro para comprar o arroz nosso de cada dia, 40 reais por pacote?