O preço da alimentação adequada e saudável

Postado por: Hugo Scofano

Arroz – e outros itens da cesta básica – saem em disparada e apontam para algo já conhecido: comer bem também é uma questão política

Na gôndola do supermercado, o preço do arroz ficou mais salgado. Mas não é só ele que segue em alta. Feijão, leite e óleo também pesaram mais no bolso do brasileiro. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro faz um apelo ao patriotismo dos donos dos supermercados. “Estou pedindo um sacrifício, patriotismo para os grandes donos dos supermercados para manter na menor margem de lucro”, afirmou em conversa com a imprensa no dia quatro de setembro.

A inflação veio em um momento em que muitos brasileiros sobrevivem com o auxílio emergencial, medida adotada devido à pandemia do coronavírus e que será cortado pela metade. Os seiscentos reais, que já não contemplava os gastos em muitas cidades pelo país, serão apenas trezentos.

Por que o básico ficou tão caro?

Com o dólar em alta, aumenta o interesse do mercado internacional em produtos brasileiros. Afinal, fica mais barato comprar em real, moeda desvalorizada. O problema é que esses itens  também compõem a cesta básica, como arroz, óleo de soja e carne. Ou seja, enquanto as exportações sobem, a disponibilidade no mercado interno cai.

Ao mesmo tempo, a demanda interna aumentou devido ao isolamento social. Mais tempo em casa representou diminuição do consumo da alimentação fora do lar e uma retomada ao hábito de cozinhar.

O preço mais alto é, portanto, resultado da lei da oferta e da demanda e da política econômica do governo Bolsonaro. Os mais atingidos serão aqueles já prejudicados pelo desemprego e crise econômica, ainda mais com o corte no auxílio emergencial.

Outro fator que contribuiu foi a redução de áreas de plantio para o arroz e feijão, que perde espaço para commodities do agronegócio, como a soja.  Vale lembrar que quem realmente coloca comida na mesa do brasileiro é, principalmente, a agricultura familiar.

Memes Tipo Exportação

Se o prato feito fica mais caro, o que não falta sãos memes nas redes sociais. O assunto rendeu muito no Instagram, Facebook e Twitter! O arroz e o feijão, que já ocuparam o posto de “vilões” para o emagrecimento, agora se tornam símbolos de ostentação.

Não é mais o carboidrato que mais incomoda. É o bolso! “Quero ver essa galera que vende marmita agora colocar só arroz” foi uma das frases que se tornaram virais, assim como venda de ‘quentinhas’ superfaturadas.

Surgiram anúncios também espirituosos de joias cravejadas com o cereal, comparando com o preço do ouro. É claro, não podia faltar ela, uma das rainhas dos memes. A personagem Nazaré Tedesco, da novela global Senhora do Destino, deu o “ar da graça”, roubando um saco cheio de cinco quilos.

O site Sensacionalista, que usa a estrutura do texto jornalístico para produzir humor através de notícias falsas e absurdas, publicou várias postagens sobre o arroz. Confira algumas na galeria!

Você pode substituir arroz por macarrão, por exemplo

João Sanzovo, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), defendeu a promoção do “macarrão, as massas, como substituição pra essa fase até entrar esse arroz e regular o mercado”. Mas será que essa troca é válida?

A Losan, Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, entende Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) como “a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.

Essa importante definição deixa implícita uma ideia. A sugestão da mera substituição por outros itens desconsidera a premissa de respeito a SAN: a diversidade cultural do brasileiro e a necessidade de sustentabilidade do prato. Afinal, nada mais representativo na alimentação no brasileiro do que o tradicional arroz com feijão.

Essa dupla, inclusive, já vinha perdendo na rotina. Na contramão, quem ganha mais assiduidade na dieta são é ultraprocessado, cujo consumo prejudica a saúde e leva a Doenças Crônicas Não Transmissíveis.

Mesmo que alguns alimentos possam substituir o arroz como fonte de carboidrato, eles não são equivalentes no hábito alimentar.

Políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutrição

A FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, recomendou ao Brasil que aumentasse os estoques de alimentos no início da pandemia, sugestão ignorada pelo governo e levada a sério pela China. 

Agora, a desastrosa política liberal do governo se esvai nas falas presidenciais sobre a tentativa de controle de preço e, assim, manter sua popularidade. Uma das medidas foi Governo Bolsonaro zerar imposto de importação do arroz para tentar frear a alta.

Mas essa história não começou recentemente. Para se ter uma ideia, a primeira medida provisória do governo atual foi fechar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea,  órgão de assessoramento imediato à Presidência da República que consiste em espaço institucional para o controle social e participação da sociedade na formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional.

Esse movimento de desintegração iniciou-se ainda no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, foi acelerado por Michel Temer e piorou muito no atual governo. Os estoques estratégicos de alimentos, amparado pela Companhia Nacional de Abastecimento e que garantem a estabilidade dos preços em períodos de crise, também foram sucateados. 

O Programa de Aquisição de Alimentos, PAA, que contribuia para a manutenção desses mesmos estoques também foi deixado de escanteio. Além de equilibrar as reservas públicas de alimentos, o PAA ainda beneficiava pequenos agricultores com dificuldade de encontrar mercado através da compra institucional de insumos, assegurando que haja comida na mesa dos mais vulneráveis. 

Perdeu a população e agricultura familiar e ganhou o agronegócio. Todos cenário deixa bem a mostra uma realidade dura para muitos brasileiro e um sentimento de urgência, já o direito humano à alimentação adequada e saudável é um direito garantido pelo Constituição. Comer bem também é uma questão política.

Para saber mais

Foro de Teresina

O episódio 117 do Foro de Teresina, podcast de política da Revista Piauí, discute a alta dos alimentos, além de outros assuntos da atualidade.

 

 

 

 

 

 

Prato Cheio

 

O podcast do O Joio e o Trigo já tinha cantado a bola sobre a situação do agravamento da fome no país durante a pandemia. Para saber mais sobre o assunto, indicamos o primeiro episódio da temporada especial sobre Coronavírus, intitulado Bolsonaro e a arquitetura da destruição.  

São abordadas políticas públicas na área de Segurança Alimentar e Nutricional e suas transformações ao longo da passagem dos presidentes pelo governo brasileiro e, em especial, a assustadora realidade atual do país.  Vale a pena ouvir para entender mais desse cenário!

 

 

 

BBC Brasil

 

A repórter Laís Alegretti conversou com especialistas em nutrição, economia e sociologia e, neste vídeo, ela explica que a substituição do arroz pelo macarrão não é tão simples assim – considerando os nutrientes, os costumes dos brasileiros e até os preços nos mercados.

 

 

 

Com Informações de:

Foro de Teresina

Istoé

Conselho Federal de Nutrição – CFN

G1